O direito da pessoa com surdez unilateral a concorrer como pessoa com deficiência em concursos públicos

 

 

A inclusão de pessoas com deficiência em concursos públicos é um tema de grande relevância social e jurídica. Dentro desse contexto, surge a questão sobre a surdez unilateral e seu reconhecimento como deficiência, especialmente em processos seletivos. Neste artigo, abordaremos os direitos das pessoas com surdez unilateral e as implicações legais para a participação em concursos públicos.

 

Direito previsto na Lei n° 14.678 de 2023

 

A surdez unilateral, embora não tenha sido tradicionalmente reconhecida como uma deficiência em alguns contextos, tem recebido atenção crescente nas legislações e jurisprudências brasileiras. A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) estabelece que pessoas com deficiência têm direito a igualdade de oportunidades, incluindo acesso a concursos públicos.

 

Além disso, a inclusão da surdez unilateral no rol das deficiências pode ser observada na prática e nas interpretações mais recentes, embora a Súmula nº 522 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirme que essa condição não é considerada deficiência para efeitos de cotas. Essa divergência gera debates e confusões, tanto para os órgãos públicos quanto para os candidatos.

 

 

Ilegalidades nos concursos público: banca examinadora deixa de considerar a surdez unilateral como deficiência

 

As pessoas com surdez unilateral têm o direito de solicitar condições especiais durante o processo seletivo, como adaptações em provas e entrevistas. O não reconhecimento dessa condição como deficiência, por parte de um concurso, pode ser considerado uma violação dos direitos garantidos pela legislação.

 

Caso um concurso público negue o direito de concorrer na condição de pessoa com deficiência, essa ação pode ser considerada ilegal. Os candidatos afetados têm o direito de buscar reparação e de contestar essa decisão, seja por meio de recursos administrativos, seja por meio de ações judiciais.

 

Tenho surdez unilateral e fui eliminado em um concurso, o que devo fazer? Assistência Jurídica

 

A orientação jurídica é fundamental para aqueles que se sentirem prejudicados. Um advogado especializado pode ajudar a entender as nuances da legislação, a reunir a documentação necessária e a formular recursos ou ações que visem garantir os direitos do candidato. É importante documentar todas as comunicações e decisões do concurso que possam evidenciar a negativa de direitos.

 

O reconhecimento da surdez unilateral como uma condição que deve ser considerada em concursos públicos é um tema em evolução. Embora a legislação e a jurisprudência ainda apresentem algumas divergências, o direito à inclusão é uma diretriz fundamental para garantir igualdade de oportunidades. A busca por assistência jurídica é um passo crucial para que pessoas com surdez unilateral possam exercer plenamente seus direitos e participar dos processos seletivos de forma justa e equitativa.

 

É essencial que a sociedade continue a debater e a trabalhar pela inclusão efetiva de todas as pessoas com deficiência, promovendo uma cultura de respeito e igualdade.

 

STJ julga como ilegal cancelamento de matrícula de aluna após denúncia por suposta fraude ao sistemas de cotas da UFRJ

Recentemente, tivemos uma vitória significativa em um caso envolvendo o cancelamento de diploma universitário de uma estudante que ingressou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) por meio do sistema de cotas raciais. 

 

Sobre o caso

 

A estudante do curso de Direito estava nos períodos finais da graduação quando sofreu uma denúncia sob a acusação de que teria supostamente fraudado o sistema de cotas raciais. Mesmo ela sendo comprovadamente parda, tanto fenotipicamente quanto genotipicamente, já que possui documentação comprobatória e parentesco direto na família, a universidade tentou impedir sua colação de grau. Entretanto, representada pelo escritório Caio Tirapani, a estudante conquistou uma decisão decisão favorável junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que determinou o restabelecimento do diploma, destacando que não havia previsão no edital do processo seletivo que possibilitasse a constituição de uma comissão de heteroidentificação, tornando ilegal a posterior invalidação da autodeclaração da estudante.

 

Entretanto, após mais de um ano da sua formatura, quando a estudante já havia se tornado advogada inscrita na OAB, o TRF 2 reformou a sentença favorável a ela e concordou com o cancelamento da matrícula. Diante desse cenário, foi necessário entrar com Recurso Especial junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 

O tribunal reconheceu que a tentativa de reavaliar a autodeclaração, anos após o ingresso no curso, e já posterior à conclusão da graduação, representava uma violação aos princípios da vinculação ao edital e da segurança jurídica. Com isso, a decisão garante o direito da estudante de manter seu diploma e continuar exercendo sua profissão, resguardados a conclusão da sua graduação.

 

O Papel da Autodeclaração nas Políticas de Cotas

 

Nos últimos anos, temos visto um aumento significativo na implementação de políticas de ações afirmativas nas universidades públicas do Brasil. Essas políticas são fundamentais para promover a igualdade de oportunidades, especialmente para grupos historicamente marginalizados, como pessoas negras e pardas. No entanto, apesar da importância dessas ações, alguns desafios legais têm surgido, especialmente no que tange ao cumprimento prático das medidas criadas.

 

A Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, estabelece que candidatos que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas têm direito a concorrer a vagas reservadas nas instituições federais de ensino superior. Esse processo de autodeclaração é crucial porque permite que os próprios candidatos definam sua identidade étnico-racial, respeitando sua percepção individual.

 

Contudo, o simples ato de autodeclaração não garante automaticamente a ocupação da vaga. Em alguns casos, universidades públicas têm implementado comissões de heteroidentificação para verificar se a autodeclaração corresponde ao fenótipo do candidato – ou seja, à aparência física que o associa ao grupo racial declarado. Essa prática tem gerado controvérsias e processos judiciais, uma vez que os critérios utilizados na avaliação são, muitas vezes, altamente subjetivos. 

 

Desafios Legais e a implementação da política de cotas

 

Um dos principais problemas enfrentados pelos estudantes surge quando, anos após o ingresso na universidade, a instituição decide reavaliar a autodeclaração e, eventualmente, cancelar a matrícula do estudante. Isso pode acontecer, por exemplo, se a universidade receber denúncias de que o estudante não se enquadra nos critérios raciais para as cotas.

 

Essa situação pode levar a complicações graves, como a anulação de diplomas e a perda do direito ao exercício profissional, especialmente em casos onde o estudante já concluiu o curso e se registrou em órgãos de classe, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). 

 

Conclusão

 

É fundamental que estudantes e seus familiares estejam cientes desses aspectos legais ao ingressar em universidades públicas através das cotas. As políticas de ações afirmativas são essenciais para promover a inclusão, mas é igualmente importante que as instituições respeitem os direitos adquiridos pelos estudantes ao longo de sua trajetória acadêmica.

 

Se você, ou alguém que você conhece, enfrenta desafios relacionados à ações afirmativas e políticas de cotas, é crucial a busca por orientação jurídica especializada para garantir que seus direitos sejam protegidos.

 

Candidatos com TDAH têm direito a tempo adicional em provas?

 

Mesmo não sendo considerada uma deficiência, Pessoas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) têm o direito de solicitar tempo adicional para a realização de provas em concursos públicos, vestibulares e processos seletivos para Programas de Residência Médica. Esse direito é garantido para assegurar a igualdade de condições em relação aos demais candidatos, permitindo que aqueles com TDAH realizem as provas em condições compatíveis com suas necessidades.

 

 

Ainda que o candidato perca o prazo estipulado no edital para solicitar o atendimento especializado, decisões judiciais têm reconhecido a legitimidade desse pedido, desde que haja comprovação da necessidade do tempo adicional. No Mandado de Segurança nº 0051990-59.2014.4.01.3400, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que, apesar de a candidata ter perdido o prazo para solicitar o atendimento, sua necessidade foi comprovada, e os princípios da igualdade e razoabilidade foram aplicados para garantir seu direito ao tempo adicional no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

 

De forma similar, no Mandado de Segurança nº 1003684-37.2017.4.01.3400, o TRF1 reconheceu o direito de um estudante com TDAH a ter tempo adicional para realizar a prova do vestibular da Universidade de Brasília (UNB), fundamentando a decisão na igualdade de acesso à educação superior e na razoabilidade.

 

Esses precedentes reforçam que candidatos a vestibulares, assim como em outros processos seletivos, têm direito a condições equitativas de prova, o que inclui a concessão de tempo adicional, quando necessário.

 

Além disso, é válido reforçar a importância de defesa no âmbito administrativo relacionada ao requerimento de tempo adicional: sendo indeferido o pedido, é importante a apresentação de recurso, caso ainda esteja dentro do prazo para tanto. É claro que a ausência de recurso administrativo não afasta o direito do candidato de buscar o reconhecimento do seu direito pela via judicial, mas sendo possível, é importante fazê-lo, seja por representação própria ou por auxílio de advogado. 

 

Portanto, se você tem TDAH, é importante solicitar esse atendimento especializado ao se inscrever em concursos, vestibulares ou seleções para Residência Médica. Caso seu pedido seja negado, você pode buscar esse direito judicialmente, como demonstrado nos precedentes que confirmam a importância de garantir condições justas e equitativas para todos os candidatos.

 

 

Concurso Nacional Unificado: Etapa de Heteroidentificação

 

 

O Concurso Nacional Unificado, conhecido como “Enem dos Concursos”, oferece mais de 6 mil vagas distribuídas em 21 órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. O concurso pretende revolucionar o modelo de seleção de candidatos para o provimento de cargos públicos. Neste texto, iremos explorar a etapa de heteroidentificação, uma das mais delicadas do certame.

 

 

 

A etapa de heteroidentificação é uma das que mais prejudicam candidatos em concursos públicos. A Lei nº 12.711/2012, chamada Lei de Cotas, determina a reserva de vagas em concursos públicos para os candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. Logo, todo concurso deve estipular um percentual das vagas oferecidas para esse grupo, podendo, ainda, estipular um procedimento de heteroidentificação para complementar a declaração do candidato.

 

O grande problema é que boa parte dos concursos não estabelece nos editais quais os critérios que vão ser utilizados pela Comissão de Heterodenticação para avaliar se aquele candidato se enquadra ou não se enquadra na política de cotas. 

 

Infelizmente, é comum que  candidatos visivelmente destinatários das cotas raciais sejam indeferidos pelas bancas, sem apresentação de motivos, e sem que tenham sido estabelecidos critérios claros que norteassem a decisão administrativa. 

 

Então, se você é negro (preto ou pardo), e está tentando concorrer um concurso ou foi prejudicado de forma indevida em algum processo seletivo, é possível rever as decisões da Comissão de Heteroidentificação por meio de uma ação judicial. 

 

Indeferimento pela Comissão de Heteroidentificação: e agora?

 

Outro direito também muito importante que os candidatos cotistas têm é de concorrer às vagas destinadas à ampla concorrência. Se você foi desconsiderado como negro pela Comissão de Heteroidentificação, você segue tendo direito de participar do concurso na ampla concorrência. Inclusive, se tiver nota suficiente, é devida a nomeação pela ampla concorrência. Portanto, fique muito atento aos seus direitos. 

 

O Escritório Caio Tirapani Advogados Associados possui atuação de destaque na defesa dos direitos de candidatos em concursos públicos. Caso você tenha alguma dúvida sobre o assunto, entre em contato com o nosso escritório pelo nosso WhatsApp.

Reserva de vagas para pessoas trans

Ao se falar em cotas destinadas ao ingresso em universidades públicas e, até mesmo, em concursos públicos, é necessário esclarecer, desde o primeiro momento, que se trata de um mecanismo prático para tentar garantir a isonomia material, sendo um instituto jurídico que deve ser encarado com seriedade para que surta efeitos práticos. 

A transexualidade e a realidade no Brasil 

Antes de adentrarmos aos fundamentos jurídicos que garantem a existência de cotas para pessoas transexuais em processos seletivos, é primordial entendermos qual o sentido das cotas para esse grupo específico de pessoas. Afinal, a informação também é um dos meios de se garantir a justiça. 

 

O termo “pessoa trans” tem como objetivo referir-se às pessoas que não se identificam com o gênero designado a elas no momento do nascimento. Isso porque o gênero intitulado está relacionado ao sexo da pessoa. 

 

Logo, a pessoa trans é aquela que, ao longo da sua vivência – muitas vezes até compreendida ainda na infância – percebe que o seu gênero, determinado no momento do seu nascimento, não corresponde à sua identificação como pessoa.

Ou seja, já em um primeiro contato com o conceito em si, percebe-se que trata de questão de foro íntimo, reservado ao sentimento de autoidentificação de cada indivíduo na sociedade. 

 

No entanto, apesar de se tratar de uma compreensão fácil do conceito, sabemos que a realidade do Brasil, na prática, se mostra insensível, intolerante e violenta. Afinal, o Brasil, pelo 14º ano consecutivo, é o país que mais mata pessoas trans no mundo, segundo o Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra)

 

Além disso, é muito importante, enquanto sociedade, compreendermos fato que talvez possa passar sem ser devidamente comentado: ter a vida retirada por outrem não é a única maneira com que pessoas trans podem ter os seus caminhos interrompidos, isso porque a discriminação e o preconceito também são notáveis ceifadores da vida de pessoas trans. 

 

Diante disso, é simplesmente impossível negar a necessidade de implementação de políticas públicas que possibilitem uma vida digna para pessoas trans, nos conformes do que é determinado e garantido pela Constituição Federal. E sobre tal fato, tem-se que a reserva de cotas em processos seletivos é, portanto, uma maneira de garantir a isonomia material para pessoas trans, além de representar uma perspectiva importante de política pública dentro de uma sociedade que endereça a sua atrocidade e violência. 

A base legal das cotas para pessoas trans 

A necessidade de implementação de políticas públicas para garantia de oportunidades dignas para pessoas trans é uma realidade que se mostra cada vez mais essencial e, como dito, urgente. Para tanto, afirma-se: existe base legal. 

 

Inicialmente, a política de cotas em questão se fundamenta na isonomia material, insculpida no caput do art. 5º da Constituição Federal, tem como foco principal a diminuição de diferenças entre os indivíduos inseridos na sociedade, de forma a possibilitar uma aplicação mais justa das leis, exatamente no sentido de diversificar as oportunidades – e possibilidades – de todas as pessoas. 

 

Além da isonomia material, que introduz a presente leitura, é de extrema importância destacar que a dignidade da pessoa humana, anteriormente mencionada, não trata-se apenas de um conceito vago e repetidamente utilizado em textos que fazem menção a determinado escopo jurídico. Não, a dignidade da pessoa humana é, na verdade, fundamento inescusável para existência do Estado Democrático de Direito, conforme leitura do texto legal abaixo: 

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(…)

III – a dignidade da pessoa humana;

 

Ou seja, trata-se de direito previsto de forma inaugural no texto constitucional. Logo, é dever do Estado a sua garantia. 

 

E muito além disso, é importante mencionar que o respaldo jurídico para implementação das cotas para pessoas trans em processos seletivos encontra respaldo na própria Lei nº 12.711/2012, conhecida como a “lei de cotas”, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino. 

 

Isso porque a lei de cotas não possui o que é chamado juridicamente de “rol taxativo” – que é quando só se pode levar em consideração aquilo que está, literalmente, taxado naquele texto legal, sem possibilidade nenhuma de extensão da interpretação ou de serem adicionadas novas modalidades, por exemplo. 

 

A compreensão relacionada acima tem como base, ainda, o Decreto nº 7.824 de 11 de outubro de 2012, que foi instituído exatamente para regulamentar a lei de cotas. Assim, ao ser realizada a leitura do art. 5º, §3º do decreto em referência, será possível perceber que as Instituições de Ensino Superior podem, sim, proporcionar a criação de novas modalidades de vagas, como se vê da reprodução abaixo: 

 

Art. 5º Os editais dos concursos seletivos das instituições federais de educação de que trata este Decreto indicarão, de forma discriminada, por curso e turno, o número de vagas reservadas.

(…) 

§3º Sem prejuízo do disposto neste Decreto, as instituições federais de educação poderão, por meio de políticas específicas de ações afirmativas, instituir reservas de vagas suplementares ou de outra modalidade.

 

Ou seja: de acordo com a legislação federal vigente, as universidades possuem, sim, o escopo jurídico para criação e destinação de determinadas vagas suplementares ou de outras modalidades, com base, também, no princípio jurídico da Autonomia Universitária, igualmente previsto na Constituição Federal, mais precisamente em seu art. 207, como pode ser conferido abaixo: 

 

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

 

Inclusive, há entendimento jurisprudencial no próprio STJ acerca da autonomia universitária quanto a implantação de ações afirmativas, como destacado abaixo: 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.818.389 – PA (2019/0159234-7) RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ UFPA PROCURADOR: PROCURADORIA REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO RECORRIDO: KAMILLI SOUZA DA SILVA ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO EMENTA PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÕES AFIRMATIVAS. POLÍTICA DE COTAS. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. FIXAÇÃO DE CRITÉRIOS OBJETIVOS LEGAIS, PROPORCIONAIS E RAZOÁVEIS PARA CONCORRER A VAGAS RESERVADAS. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO CRIAR EXCEÇÕES SUBJETIVAS. 1. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem, ao decidir a vexata quaestio, consignou (fl. 180/e-STJ): “(…) Sob esse prisma, afigura-se manifesta a legitimidade da pretensão postulada pela autora, na espécie dos autos, na medida em que, embora tenha cursado parte do ensino médio em escola particular, na condição de bolsista integral, conforme documentação acostada aos autos, cursou o restante do ensino fundamental e o 1° ano do ensino médio em escola pública, pelo que não se mostra razoável impedir a matrícula de candidata aprovada no curso de Psicologia da Universidade Federal do Pará (…)”. 2. Extrai-se do acórdão vergastado que o entendimento do Tribunal de origem não está em conformidade com a orientação do STJ. Com efeito, a matéria de fundo já foi objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça, fixando entendimento de que a forma de implementação de ações afirmativas no seio de universidade, bem como as normas objetivas de acesso às vagas destinadas à política pública de reparação, faz parte da autonomia específica prevista no art. 53 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e de que a exigência de que os candidatos a vagas como discentes no regime de cotas “tenham realizado o ensino fundamental e médio exclusivamente em escola pública no Brasil”, constante no edital do processo seletivo vestibular, é critério objetivo que não comporta exceção, sob pena de inviabilizar o sistema de cotas proposto. 3. Recurso Especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:  “”A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.”  Brasília, 10 de dezembro de 2019(data do julgamento). Documento: 101669520 – EMENTA / ACORDÃO – Site certificado – DJe: 19/12/2019  MINISTRO HERMAN BENJAMIN Relator

 

Além disso, é importante destacar que, em uma visão geral, a criação de cotas para pessoas trans possui o escopo, ainda, de resguardar o direito à educação, que é constitucional e garantido a todas as pessoas, sendo dever do Estado lançar mão de seus recursos para dar efetividade à ordem constitucional. 

 

Assim, veja-se abaixo o texto constitucional que regulamenta o princípio supramencionado: 

 

Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

 

Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

(…)

II – progressiva universalização do ensino médio gratuito;

(…)

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um (…).

 

Logo, a educação faz parte do núcleo mínimo existencial, motivo pelo qual o Poder Público possui a obrigação constitucional de promover os expedientes indispensáveis à sua máxima efetivação.

Existem universidades que já utilizam as cotas para pessoas trans? 

A resposta para essa pergunta é positiva. Existem, atualmente, ao menos 12 (doze) universidades que adotam as cotas em referência, listadas abaixo: 

 

  1. Universidade Federal do ABC (graduação);
  2. Universidade Federal de Mato Grosso;
  3. Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
  4. Universidade de Brasília;
  5. Universidade Federal do Paraná;
  6. Universidade Federal do Recônocavo da Bahia;
  7. Universidade Federal Fluminense;
  8. Universidade Federal de Santa Catarina;
  9. Universidade Federal Rural de Pernambuco;
  10. Universidade Federal do Rio de Janeiro (pós-graduação);
  11. Universidade Federal da Bahia; e
  12. Universidade Federal do Sul da Bahia (graduação e pós-graduação).

 

Além disso, e a título de informação, as cotas para pessoas trans também já foram implementadas em concursos públicos, como no caso do concurso para carreira jurídica da Defensoria Pública de São Paulo. Além disso, as cotas também já foram contempladas em certames públicos para carreira no Ministério Público do Trabalho dentre outros. 

Conclusão 

Diante de tudo que foi apresentado, conclui-se que a reserva de vaga para pessoas trans é tema que carece de profunda reflexão e, até mesmo, de regulamentação mais específica e objetiva, a fim de que tal ferramenta cada vez mais cumpra com o seu propósito de promoção da igualdade material no acesso ao ensino superior.

 

Contudo, ao menos em análise preliminar sobre o tema, não há dúvidas de que a implementação do sistema de reserva de vagas para pessoas trans encontra respaldo na legislação pátria, vez que a lei de cotas expressamente prevê a possibilidade de instituição de reserva de vagas de forma suplementar ou de outra modalidade, em consonância, inclusive, com o princípio da Autonomia Universitária.

 

Caso você tenha qualquer dúvida sobre a implementação e utilização das cotas para pessoas trans, não deixe de buscar mais esclarecimentos sobre o assunto. 

 

Para contato: contato@caiotirapaniadvogados.com.br