A valorização da experiência prática em regiões prioritárias para o Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido uma das diretrizes estruturantes da política pública de formação médica no Brasil. Em especial, a Lei nº 12.871/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos, previu mecanismos específicos de incentivo àqueles profissionais que, após a graduação, se dedicam à Atenção Básica nas áreas com maior vulnerabilidade social.

Dentre os dispositivos mais relevantes, destaca-se o artigo 22 da referida lei, que prevê a concessão de bonificação de 10% na nota final das provas de residência médica aos médicos que tenham participado, por pelo menos um ano, de ações de aperfeiçoamento na Atenção Básica, promovidas pelos Ministérios da Saúde e da Educação. Importa destacar que esse incentivo se aplica a todas as fases ou à fase única dos processos seletivos de residência médica, conforme estabelecido expressamente no § 2º do referido artigo.

O artigo 22 da Lei nº 12.871/2013 dispõe:

Art. 22. As demais ações de aperfeiçoamento na área de Atenção Básica em saúde em regiões prioritárias para o SUS, voltadas especificamente para os médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma revalidado, serão desenvolvidas por meio de projetos e programas dos Ministérios da Saúde e da Educação.

§ 2º O candidato que tiver participado das ações previstas no caput deste artigo e tiver cumprido integralmente aquelas ações, desde que realizado o programa em 1 (um) ano, receberá pontuação adicional de 10% (dez por cento) na nota de todas as fases ou da fase única do processo de seleção pública dos Programas de Residência Médica.

A redação é clara ao estabelecer o direito subjetivo à bonificação, desde que preenchidos os critérios objetivos: atuação por no mínimo um ano e cumprimento integral das ações previstas.

Atenção domiciliar e o programa Melhor em Casa como instrumentos de aperfeiçoamento

Dentre os programas que podem ser enquadrados como ações de aperfeiçoamento mencionadas no caput do artigo 22, destacam-se a Atenção Domiciliar no âmbito do SUS e o Programa Melhor em Casa.

Segundo o Ministério da Saúde (disponível em: gov.br/saude), o Programa Melhor em Casa visa ampliar a oferta de atendimento domiciliar no SUS por meio da implantação de Equipes Multiprofissionais de Atenção Domiciliar (EMAD e EMAP). Médicos participantes dessas equipes, quando atuantes em regiões consideradas prioritárias, contribuem diretamente para a qualificação da Atenção Básica, cumprindo, assim, os requisitos da legislação vigente.

O caráter formativo e de integração ensino-serviço dessas ações é reforçado pelo próprio Ministério da Saúde, que aponta a Atenção Domiciliar como estratégia complementar e substitutiva à internação hospitalar, promovendo cuidado longitudinal e centrado no paciente.

Direito à Bonificação e recusa administrativa

Apesar da previsão legal expressa, observa-se, na prática, que muitos médicos que atuaram nesses programas não recebem automaticamente a pontuação adicional nos certames de residência médica. Em alguns casos, há exigência indevida de comprovação exclusiva por meio de certificados vinculados ao PROVAB, desconsiderando outras formas legítimas de atuação vinculadas ao SUS.

Tais exigências são incompatíveis com a literalidade da Lei nº 12.871/2013, que não restringe o direito à bonificação a um único programa federal, mas sim a todas as ações de aperfeiçoamento em Atenção Básica promovidas pelos Ministérios da Saúde e da Educação, como é o caso da Atenção Domiciliar e do Melhor em Casa.

Conclusão

O médico que tenha atuado por ao menos um ano em equipes de Atenção Domiciliar ou no Programa Melhor em Casa, em regiões prioritárias para o SUS, faz jus à bonificação de 10% nas provas de residência médica, desde que comprove o efetivo cumprimento da atividade.

Trata-se de um direito garantido por lei e que, em caso de indeferimento injustificado, pode ser objeto de requerimento administrativo ou até mesmo de ação judicial para assegurar sua aplicação, à luz dos princípios da legalidade, isonomia e valorização do trabalho médico em áreas estratégicas do sistema de saúde.