A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, decidiu que “Em se tratando de caso excepcional de discriminação múltipla, é de ser reconhecido ao estudante, classificado em primeiro lugar e enquadrado em duas hipóteses de ação afirmativa (étnico-racial e deficiência), o acesso à vaga reservada, eis que o fato de ter estudado parte do ensino médio em escola filantrópica não ilide a situação de desigualdade que a norma objetiva afastar.”

Quando se trata das políticas de cotas para ingresso no ensino superior, é exigido em todas as modalidades, a conclusão do ensino médio integralmente em escolas públicas. No entanto, ao se analisar as cotas destinadas a pessoas com deficiência, é essencial adotar uma abordagem mais sensível e alinhada aos princípios da igualdade material.

Nesses casos, a desigualdade enfrentada pelo candidato não está necessariamente vinculada à condição socioeconômica, mas à própria limitação imposta pela deficiência, que, por sua natureza, permanece como um fator de desvantagem real, independentemente da instituição de ensino frequentada ou da renda familiar. A deficiência, por si só, já coloca o estudante em condição de desigualdade, o que torna inadequada a aplicação automática do critério social nesse contexto.

Foi nesse entendimento que houve uma recente decisão do TRF5. Um estudante foi aprovado no processo seletivo para ingresso no curso de Medicina da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), na modalidade de cotas destinadas às pessoas pardas, portadoras de deficiência, independente da comprovação de renda. Mesmo tendo sido aprovada pela banca de heteroidentificação e, ainda, tendo sido aceita a sua condição como PCD, sua matrícula foi indeferida por ter estudado em escola cenecista.

Ao recorrer ao judiciário, o estudante teve seu direito reconhecido, considerando-se que é extremamente desproporcional e irrazoável condicionar o acesso às cotas para pessoas com deficiência à conclusão do ensino médio exclusivamente em escola pública. Tal exigência ignora a essência das ações afirmativas voltadas a esse grupo, cujo objetivo é justamente compensar as barreiras impostas pela condição de deficiência — barreiras essas que subsistem independentemente da renda ou da rede de ensino frequentada.

A decisão do Tribunal foi clara ao afirmar que a formação parcial em escola filantrópica, muitas vezes a única alternativa para assegurar um ensino minimamente acessível, não elimina a condição de desigualdade que justifica a reserva da vaga. Reconheceu-se, assim, que a aplicação automática do critério social (exigência de escola pública) às cotas PCD fere os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade material, além de violar o direito constitucional à educação.

Essa importante vitória judicial reafirma o compromisso do Poder Judiciário com uma interpretação humanizada e coerente das normas que regem as políticas de inclusão no ensino superior. Também demonstra a necessidade de constante vigilância para que direitos fundamentais não sejam restringidos por formalismos indevidos.